sexta-feira, 18 de julho de 2008

Ando na beira, da dolorosa britadeira, do tumulto orgânico, que, sem fronteira, deglute a alma (especialmente as mais pequenas). Na rima de praia, espalho os amigos, revejo o sentido, e o duplo sentido, de cada passado.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Aos meus amigos de Faculdade: Apontamentos para uma Crônica Machista.


A cena que ponho-me a descrever não é um regozijo pra minhas posturas, não é o triunfo da liberdade. Nem da propriedade. Nem da transnacionalização do capital. É o inevitável rumo que as armas de fogo impuseram à nossas revoluções culturais. Não se trata – apresso-me em dizer – de uma generalização processada pelo intelecto, trata-se, sim, de uma generalização grosseira de uma cabeça cansada, pronta pra apreender o ridículo das pessoas graças àquela velha máxima do cego que não quer ver, não gosta de ver, ou sei lá que outro tipo de miopia existencial, e existem tantas.


Vou apelar ao realismo paulista.


A cena se passa num restaurante que transmite a eliminação do Santos – o time do Pelé – dum campeonato de uma América Latina convulsa.

Por volta da hora que as famílias já jantaram e pedem a última rodada socialmente ok, consegue-se perceber claramente o quanto os publicitários de cerveja são magníficos. O esporte na televisão, o copo, a cena. O barulho alienígena das crianças, do pula-pula, do quebra-copos, da torcida aficionada. Como estava dizendo, o poeta dos anúncios sempre esteve certo.

A senhora – embora a esse título ela resista com sua tenacidade de leoa amamentando – começa a beber em demasia. Uma leve demasia.

O senhor, de boné enfiado na cachola quadrada, com seu ar de pescaria mensal, aceita os rompantes da leoa, pois é de sua espécie. Não é bobo, é uma grande mamífera.

As outras pessoas em torno da mesa comprida se amontoam em torno do restos da janta, vasilha de batatinha frita com o alface do canto engordurado, milhões de coca-colas – abandonadas pelos alienígenas entretidos com o pula-pula - , e o esporte na TV: a vedete da noitada.

Ela diz que está cansada do futebol, inicia a guerra dos sexos tão tradicional e tão patética. Todos apreciam conversar aos berros sobre as diferenças darwinianas entre homens e mulheres, como se o gosto pelo futebol fosse um gene, um cromossomo impenetrável.

Ela quer música, e se expande. Em menos de cinco minutos está aos berros contra o dono da espelunca que, sem o menor trato social – não a trata convenientemente. Ela está pagando, oras, e não existe música. Ah, o menino está com sede e não temos laranja.

E é o caos, o marido da fera aceita o chilique, faz parte do extravasar feminino beber um catiquinho a mais e sentir a liberdade que pertence, por direito e democracia, a ele, o subjugado da vez.

No fim, o esporte acaba, a paciência dos espectadores mingua. Ela estava pagando, e berrando o quanto isso a fazia seleta.


Eis o retrato de meu apontamento machista. A loba não compreenderá tão cedo o caráter da independência sutil. Como norte-americanos, como publicitários de cerveja. Depois de tanto tempo de circuncisões e melancolias afins, a liberdade cai nos eixos, na perfumaria barata do decote exposto.

É a hora de pedir outra cerveja, desapontar-me com os alas do time que perdeu e pensar na lógica das coisas. É claro que gostar de futebol não basta, mas é um passo rumo à toda parafernália unanime. A senhora, o senhor e sua prole são o sucesso do mundo em que vivo, e quem pensa ser seleta sou eu. Me dá até um rompante nacionalista, uma tensão entre o que penso e as peças do Nelson Rodrigues. Por falta de fonte, penso nos palavrões que aprendi.

Nesse circo de horrores, posso esbravejar com a personagem, acusando-a de dialética. Ela vai dizer que não, que seu corpo enxuto não tem nada a ver com passar fome ou comer coisas lights. Vou pensar que é uma coitada, que não compreendeu as coisas importantes da vida e não é capaz de notar um mecanismo socio-econômico tão elementar, e ao mesmo tempo vou sentir uma tristeza profunda, pelo lixo metido-a-francês que é nossa instrução, nossa percepção, nossa raiva besta, nossa serena e confiante presunção.

domingo, 30 de março de 2008

E o tempo veio de volta, as músicas asqueram-se, os musculos gelatinam-se, o coração pulsanameia-se. E todas as pessoas do mundo, de todas as ruas, perto de todos os postes pintados de amarelo, perto de todas as cantinas com cheiro de gordura, todas elas, impreterivelmente, ostentam em si o que não cabe a ti. Caminham nada solenes, nada esquisitas, perfeitamente a vontade no meio dessas relações humanas absurdas e congelantes. Poetinhas desgraçados, andar suavemente pela vida é coisa que não se ensina, nem se medica, nem se remedia. E meu coração, dentro dessa geléia geral, pulsa dum amor contestado. E vai se diminuindo, se timidizando-se, e ai me encontro, no cerne da tímida humilhação: a classe a que pertenço, a classe com a qual me identifico.

terça-feira, 11 de março de 2008

Ainda me sustenta complicar as coisas enquanto me complico. Se eu começar a descomplicar posso começar a estender isso a mim. E ai sim, ai sim.

domingo, 2 de março de 2008

Muito típico em seu privilégio: ficou prenha numa posição segura, pra evitar contratempos da ordem da feiúra, mesmo que a muito tempo só seja feio quem o dinheiro não compra. Teve desejos e padeceu da falta de desejo absoluta: ótimo pretexo, filho é filho, mãe é mãe, e essas coisas são assim. Ai vieram médico anestesista, médico cirurgião, médico pediatra, médico homeopata e todas as espécies de especialistas que a previdência privadíssima, privadérrima, pode garantir. Um estardalhaço. Roupinha cor-de-rosa, roupinha azul, carrinho de florezinhas, carrinho de heróis em quadrinho. Frufrus, chupe-chupes. Chegada a hora, a expectativa lancinante era pela deformação póstuma do corpo da mãe – a cesária fora a opção desde o belo dia do sexo pasmacento de procriação.

Veio ao mundo roxo, chorento, mulambento, esperneando, extremamente indignado. E voou. Sem asas nem truques, o montinho de carne – ainda sem domínio sob seus impulsos cerebrais – grudou-se no vértice da maternidade branca e ficou, até que fosse resgatado pelo cordão umbilical, como um balão de gás capturado pela cordinha.

Sem mais, outros foram nascendo. E foram voando.

Aqui, no Império da Mãe Joana, onde nada acontece sem que alguns já conheçam sua projeção, o terror foi amplo e escandaloso. A al Quaeda, rapidamente, assumiu a autoria. Os estados unidos do norte, reinvindicaram a sanção da ONU para uma medida mais drástica. As veladas e caducas monarquias européias nunca apreciaram tanto ter um primeiro-ministro que as representasse em toda e qualquer situação. Os Honoris atribuíram causas econômicas com um fundo – histórico – de saturação política, numa linguagem claramente fugidia. Os físicos mataram-se, todos, exceto aqueles que há muito já não acreditavam na perenidade das leis sob as quais nos fundamos. Os vicking latino-americanos criticaram o líquido negro do capitalismo. E a Igreja, esta sim, apreciava o que via.

Agora, sem dúvida, é tempo novo. Há quem voe, e os que nasceram antes do mistério magnânimo, da quarta intriga, da redenção da ordem do dia. Assim como Platão, Aristóteles e Hesíodo flanam no purgatório pela infelicidade de terem nascido antes do advento de Cristo – que abriu a porta do céu com suas mãozinhas proféticas -, nasceram outros Dantes que foram logo dando a péssimo notícia: a redenção é geralmente bem positivista. Alguns voam, outro não. E isso era tudo. Mas, como nada pode ser apenas catastrófico para que se mantenha viva a fé em quem supostamente proporciona as catástrofes, o vaticano bramiu: dessa vez, o redentor é bem nascido. Chega dessa pieguisse de manjedoura e montinhos de capim.

Conforme normalizou-se a aberração e a linha divisória plenificou sua humilhação, o mundo dividiu-se em desgraçados e absolutos novamente. Não de acordo com a linha do Equador, ou o G7 ( mais a Rússia ). Agora a sorte era temporal, era imaginária. E nossa modernidade não conseguiu lidar com a destruição do óbvio que tanto pediu. Agora os pecados anteriores ficam redimidos, continua a culpa e as imagens escorregadias, mas a tentativa se torna obrigatória.

E assim, desse modo, consigo fazer um carinho leve em quem gosto.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

...

A paz de todas as mulheres desta espécie, da minha, não me chega. Ela me vem mais imaculada, mais parasita e é particular. Uma merda. Sem fim. Não trás piedade para além dos cortejos, vem no lusco-fusco e se desculpa de todas as outras mulheres da espécie da extinção
O pecado das damas antigas reformula-se.
Todas as senhoras em mim se reconhecem, e as moças vibram por ter contrário. Mas, dessa escrita primeira, desinédita, quinzea-anista, aceito o encargo diabólico.
Não delego a ninguém o que me torno, mas também não falo de mim em termos tão diretos. Fico com a história, sempre lasciva, duma impessoalidade bolchevique!