domingo, 30 de março de 2008

E o tempo veio de volta, as músicas asqueram-se, os musculos gelatinam-se, o coração pulsanameia-se. E todas as pessoas do mundo, de todas as ruas, perto de todos os postes pintados de amarelo, perto de todas as cantinas com cheiro de gordura, todas elas, impreterivelmente, ostentam em si o que não cabe a ti. Caminham nada solenes, nada esquisitas, perfeitamente a vontade no meio dessas relações humanas absurdas e congelantes. Poetinhas desgraçados, andar suavemente pela vida é coisa que não se ensina, nem se medica, nem se remedia. E meu coração, dentro dessa geléia geral, pulsa dum amor contestado. E vai se diminuindo, se timidizando-se, e ai me encontro, no cerne da tímida humilhação: a classe a que pertenço, a classe com a qual me identifico.

terça-feira, 11 de março de 2008

Ainda me sustenta complicar as coisas enquanto me complico. Se eu começar a descomplicar posso começar a estender isso a mim. E ai sim, ai sim.

domingo, 2 de março de 2008

Muito típico em seu privilégio: ficou prenha numa posição segura, pra evitar contratempos da ordem da feiúra, mesmo que a muito tempo só seja feio quem o dinheiro não compra. Teve desejos e padeceu da falta de desejo absoluta: ótimo pretexo, filho é filho, mãe é mãe, e essas coisas são assim. Ai vieram médico anestesista, médico cirurgião, médico pediatra, médico homeopata e todas as espécies de especialistas que a previdência privadíssima, privadérrima, pode garantir. Um estardalhaço. Roupinha cor-de-rosa, roupinha azul, carrinho de florezinhas, carrinho de heróis em quadrinho. Frufrus, chupe-chupes. Chegada a hora, a expectativa lancinante era pela deformação póstuma do corpo da mãe – a cesária fora a opção desde o belo dia do sexo pasmacento de procriação.

Veio ao mundo roxo, chorento, mulambento, esperneando, extremamente indignado. E voou. Sem asas nem truques, o montinho de carne – ainda sem domínio sob seus impulsos cerebrais – grudou-se no vértice da maternidade branca e ficou, até que fosse resgatado pelo cordão umbilical, como um balão de gás capturado pela cordinha.

Sem mais, outros foram nascendo. E foram voando.

Aqui, no Império da Mãe Joana, onde nada acontece sem que alguns já conheçam sua projeção, o terror foi amplo e escandaloso. A al Quaeda, rapidamente, assumiu a autoria. Os estados unidos do norte, reinvindicaram a sanção da ONU para uma medida mais drástica. As veladas e caducas monarquias européias nunca apreciaram tanto ter um primeiro-ministro que as representasse em toda e qualquer situação. Os Honoris atribuíram causas econômicas com um fundo – histórico – de saturação política, numa linguagem claramente fugidia. Os físicos mataram-se, todos, exceto aqueles que há muito já não acreditavam na perenidade das leis sob as quais nos fundamos. Os vicking latino-americanos criticaram o líquido negro do capitalismo. E a Igreja, esta sim, apreciava o que via.

Agora, sem dúvida, é tempo novo. Há quem voe, e os que nasceram antes do mistério magnânimo, da quarta intriga, da redenção da ordem do dia. Assim como Platão, Aristóteles e Hesíodo flanam no purgatório pela infelicidade de terem nascido antes do advento de Cristo – que abriu a porta do céu com suas mãozinhas proféticas -, nasceram outros Dantes que foram logo dando a péssimo notícia: a redenção é geralmente bem positivista. Alguns voam, outro não. E isso era tudo. Mas, como nada pode ser apenas catastrófico para que se mantenha viva a fé em quem supostamente proporciona as catástrofes, o vaticano bramiu: dessa vez, o redentor é bem nascido. Chega dessa pieguisse de manjedoura e montinhos de capim.

Conforme normalizou-se a aberração e a linha divisória plenificou sua humilhação, o mundo dividiu-se em desgraçados e absolutos novamente. Não de acordo com a linha do Equador, ou o G7 ( mais a Rússia ). Agora a sorte era temporal, era imaginária. E nossa modernidade não conseguiu lidar com a destruição do óbvio que tanto pediu. Agora os pecados anteriores ficam redimidos, continua a culpa e as imagens escorregadias, mas a tentativa se torna obrigatória.

E assim, desse modo, consigo fazer um carinho leve em quem gosto.